segunda-feira, 25 de junho de 2012

Extasia-me, Adélia.

Postado por Infinito Particular às 11:00

Peço licença poética à Adélia. Tentarei abreviá-la, como se fosse algo realmente possível. A verdade é que Adélia me lê, sem nem me conhecer. Encontro-me nas esquinas de seus versos, e poderia ficar ali, por horas, sentada, acompanhada do alento de suas palavras. Admira-me a capacidade de olhar e ver o óbvio que ninguém mais vê. Ver uma beleza, na certa, imprevisível. Contenta-me esse dom, sem melhores palavras, comovente. Dom que fere – num bom sentido. 

Porque poema bom, pra mim, é desses que cerro os olhos, e se abrem trincheiras jamais antes desvendadas em minha mente. Poema bom é esse que celebra a simplicidade em versos - os quais devoro - e que me abrevia em duas ou três rimas. Poema bom é esse que em que me perco na pureza dos sentimentos,  capaz de alimentar minha imaginação insaciável. 
Repito alguns versos, tão simples, mas que não abandonam minha memória.

Registro.
Visíveis no facho de ouro jorrado porta adentro,
mosquitinhos, grãos maiores de pó.
A mãe no fogão atiça as brasas
e acende na menina o nunca mais apagado na memória:
uma vez banqueteando-se, comeu feijão com arroz
mais um facho de luz. Com toda fome.
(Adélia Prado, em “Bagagem”)

 “O facho de ouro jorrado porta adentro” se faz à minha frente, em minha mente. Enquanto minhas pálpebras se fecham com força, consigo vê-la, com fome - e que fome! Fome da mãe. “A mãe no fogão atiça as brasas e acende na menina o nunca mais apagado na memória”. Fome de guardar aquele momento, tão rotineiro quanto único. Tão feijão com arroz, quanto delicioso. Não que eu não considere feijão com arroz um prato gostoso, mas a verdade é que a comida dela tinha um tempero a mais, um tempero que ninguém jamais conseguiria acertar. O tempero das histórias que empoeiravam a cozinha simples. O sabor das memórias que se faziam vivas, tão vivas, que chegavam a pulsar em seu poema. Consegue ver? Consegue ver? Não com os olhos, seu tolo!

Apenas sinta. Sinta. Continue faminto por sentir. Por poetizar o cotidiano. Por é isso que me encanta. E eu estou indo, meu trem mal chegou já está partindo. Vou espalhar essa história. Vou desfrutar de Adélia. Com toda fome. Como uma forma de agradecimento e respeito pela sua arte.

*Deixo-lhe aqui mais uma pitada:
 Verossímil
Antigamente, em maio, eu virava anjo.
A mãe me punha o vestido, as asas,
me encalcava a coroa na cabeça e encomendava:
‘canta alto, espevita as palavras bem’.
Eu levantava voo rua acima.
(Adélia Prado, em “Bagagem”)




Postado por: Jéssica.

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