terça-feira, 10 de maio de 2011

Bom esquecimento

Postado por Infinito Particular às 07:49 2 comentários
Esqueço tudo. Onde coloquei as chaves. Se usei as chaves, ou se a porta está aberta. A data dos aniversários. A data de hoje, o que eu tenho para fazer hoje. Nomes, rostos e endereços. Datas históricas e sobrenomes importantes, recados e pedidos. E... o que mais? Não me lembro de tudo o que esqueço. Ainda bem.

Aí de vez em quando lembro de coisas tão pequenininhas que começo a rir dos critérios de seleção da minha memória. Lembro com facilidade de como conheci as pessoas, e qual foi nossa primeira conversa. Me lembro da minha primeira redação (se estão interessados: era sobre um macaquinho que morava numa ilha, aí ele avista um barco e fica se perguntando o que teria nele. E tinha uma vaca ¬¬). Mas visualizei não só o texto como o jeito que a professora falou, as reações dentro da salinha de pré-primário. Lembro de como eu descobri algumas verdades sobre o mundo, de “existem pessoas que passam fome” a “como nascem os bebês”; dos imprevistos de viagens e das músicas que ouvi em cada época da minha vida; dos nomes que gosto e já gostei; do que eu comi no Natal de 1998. Mas não lembro direito do que comi ontem.

Isso é um pouco constrangedor. Prometi mandar um e-mail para uma pessoa há quase dois meses atrás, mas sempre esqueço. Hoje contei que sabia de cor as falas e músicas de “A Bela e a Fera”, e ela me perguntou com uma certa ironia: mas do meu e-mail você não lembra, né?

Vou me virando, apesar disso. Nem sempre acho ruim: de vez em quando gosto de esquecer dessas coisas agendadas e superficiais, e de lembrar com paixão dos detalhes. Meus amigos vivem cuidando de mim para que eu não me perca por aí, nem deixe passar todas as datas de prova e eventos que combinei, e me perdoando por pedir coisas emprestadas todos os dias e por esquecer do aniversário deles. Também vivem tirando dúvidas sobre o que aconteceu mesmo ou não num desses casos que a gente reconta sempre, e me pedindo para lembrar coisas que todo mundo já esqueceu. E na graça das lembranças, eles se esquecem dos meus esquecimentos, e acham o máximo eu ter uma memória tão boa assim.


“O esquecimento, freqüentemente, é uma graça. Muito mais difícil que lembrar é esquecer! Fala-se de “boa memória”. Não se fala de “bom esquecimento”, como se esquecimento fosse apenas memória fraca. Não é não. Esquecimento é perdão, o alisamento do passado, igual ao que as ondas do mar fazem com a areia da praia durante a noite.” (Rubem Alves)


Postado por: Marcela
 

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