terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Psicologia de Roleta

Postado por Infinito Particular às 15:47 1 comentários
Com o aumento das passagens de ônibus, uma função quase sempre ignorada pelos que diariamente giram as roletas do transporte público, passa a ser percebida como uma importante atribuição do já tão ameaçado cargo de trocador.


Quando digo ameaçado não estou me posicionando como uma crítica da mecanização da mão-de-obra, tampouco exaltando o avanço vertiginoso da tecnologia. Acontece que até o observador menos atento já percebeu que a maquininha onde se passa o cartão está para o trocador assim como o DVD está para a fita cassete. Ainda não se sabe se poderão inventar um sistema de informação tão eficiente quanto o trocador, ou um aparelho que substitua aquela espécie de segurança que o passageiro sente por saber que existe um funcionário credenciado sentado logo ali.

Mas quando (e se) os trabalhadores que hoje ocupam o banco em frente à roleta estiverem sentados em cadeiras dos caixas da rodoviária, vendendo e recarregando cartões, o aumento da passagem poderá causar alguns transtornos para as empresas de ônibus.

A passagem aumentou no final de dezembro do ano passado, mas só nessa primeira semana de janeiro é que o trocador começou a prestar seus serviços de psicólogo. Os passageiros entram e começam a enumerar seus problemas cotidianos antes mesmo de se sentarem do divã, que nas outras épocas do ano exerce a função de uma simples poltrona de ônibus. Quem é oposição xinga o governo, que é situação xinga a empresa, e todo mundo reclama do salário miserável que recebe. O trocador escuta, pacientemente. Não diz nada, só faz um movimento quase imperceptível com a cabeça, que cada um interpreta à sua maneira. E então a viagem segue, e a vida também, e, com a ajuda freudiana do trocador, as duas voltam a parecer mais familiares e menos cansativas.

Há aqueles que xingam o trocador, é claro. Estes são os que chegam a pensar em sair para as ruas, fazer protestos, pacíficos ou não, e dizer que isso é um absurdo na frente de alguém que realmente tenha a ver com o aumento. Mas em geral entendemos muito pouco de economia, tem toda aquela história da inflação, do reajuste anual, dos custos de operação... Sabe-se lá se o protestante não vai falar uma bobagem sem tamanho, que comprometa sua imagem diante das pessoas importantes que trabalham aumentando as passagens de ônibus. Xingar o trocador, então, parece mais seguro porque ele provavelmente também não entende de balanço patrimonial e taxas de inflação.

Mas para os mais esquentadinhos sempre tem o cortante olhar de reprovação da velhinha do assento preferencial, que recebe como retorno do trocador o mesmo silêncio reconfortante de sempre.

E de noite, quando o trocador termina seu expediente, ele atravessa a rua e pega o ônibus para a casa (nem todo trocador mora do lado da garagem). Então ele passa pela roleta, pega o troco, se senta no “divã” e reclama do custo absurdo da passagem, como qualquer passageiro ou qualquer cidadão que precisa dos recursos da psicologia de roleta.

Postado por: Marcela
 

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