quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O errado que deu certo

Postado por Infinito Particular às 07:42 0 comentários
Gosto da falha. Uma cicatriz num rosto perfeito. Uma maria regateira no roseiral. Um lapso de memória em alguém que quase nunca esquece.


Gosto da falha como o quase. É quase perfeito, quase... mas tem um errinho ali, ó. O absoluto assusta: quando a esmola é muita, o santo desconfia. A falha serve para que a gente acredite mais e arrisque mais também, porque afinal, nada é perfeito. Ufa!
Lembro que na minha primeira escola o chão era um mosaico de ardósia, mas tinha um quadradinho de azulejo. Um erro de cálculo do pedreiro ou um reparo de urgência, eu sempre soube que aquilo não estava nos planos. Mas a gente brincava com aquele azulejo como se ele fosse a ideia mais original que alguém podia ter, e de desvinculado ele passou a ser nossa referência. Hoje é uma lembrança bobinha que eu guardo comigo, que eu não teria se aquele calçamento fosse perfeito.


A viagem que a gente nunca esquece é sempre a que dá errado. É quando você esquece a mala que arrisca um novo look. Os micos e apertos são as primeiras coisas que contamos na volta, e são os casos que vamos repetir em toda festa de família ou em qualquer roda de amigos. Se furar o pneu é que você conhece aquela cidadezinha fora do mapa. É quando a câmera dá problema no meio do show que a gente puxa papo com a pessoa do lado. É quando um amigo está naquela saia justa que podemos mostrar a mão estendida.


É a garoa que faz de São Paulo o avesso do avesso. É não ter mar que torna mineiros apaixonados por praia. Foi a mistura (condenada na época) que fez dos habitantes do Brasil o povo brasileiro.


É a fragilidade que nos torna próximos, não a auto suficiência, não a perfeição, mas o erro. É na tentativa que somos humanos, não na vitória gratuita. É a falha que encanta. A falha reparada, trabalhada, superada, mas sempre a falha. Essa sensação do humano é que nos impulsiona.


Falhando, a gente segue. E é seguindo que a gente acerta.


Postado por: Marcela

domingo, 11 de setembro de 2011

O se

Postado por Infinito Particular às 17:29 0 comentários
Tenho medo do se. Total. Sinto que tenho um certo controle da minha vida, até começar a pensar “e se”...
Não que a gente não deva se questionar, e manter a auto-crítica sempre ativa. Mas essa coisa de ficar pensado como poderia ser, sinceramente. Não tem nada mais frustrante do que desenhar o futuro – ou redesenhar o passado. O passado, bem, já passou. “E se” não serve para o passado, porque a quantidade de desdobramentos que resultam de uma escolha sua impedem a formulação de que qualquer teoria sobre como seria se você tivesse agido de outro jeito. Desenhar o futuro, por sua vez, é um perigo. Porque é muito difícil sair do jeitinho que você imaginou. É claro que temos que planejar de uma certa forma. Mas dizer “vou estudar jornalismo” é diferente de dizer “vou estudar jornalismo para ser a editora chefe do grupo Abril”. As chances de decepção quando você coloca o “e se” no futuro são tão grandes quanto as dores causadas pelo “e se” associado ao passado.
Tenho medo do “e se” porque ele não parece errado. Não parece burrice, nem armadilha, a gente até confunde e diz que é “sonho”. Aí de vez em quando a gente deprime e nem sabe porque, mas quando assusta foi o “e se” que começou tudo.

Eu estava justamente pensando nisso hoje quando achei essa crônica do Veríssimo, que expressou esse meu pensamento aí de cima de um jeito bem mais inteligente e divertido. E de qualquer forma, acho que essa é uma boa reflexão diante da iminência de uma segunda-feira. :)

"Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido.

Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número (unzinho e eu ganhava a sena acumulada), topado aquele emprego, completado aquele curso, chegado antes, chegado depois, dito sim, dito não, ido para Londrina, casado com a Doralice, feito aquele teste…

Agora mesmo neste bar imaginário em que estou bebendo para esquecer o que não fiz – aliás, o nome do bar é Imaginário – sentou um cara do meu lado direito e se apresentou:

- Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no Botafogo

E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo.

- Por que? Sua vida não foi melhor do que a minha?

- Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei a seleção. Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que um dia..

- Eu sei, eu sei… disse alguém sentado ao lado dele.

Olhamos para o intrometido… Tinha a nossa idade e a nossa cara e não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou:

- Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre propagandista.

- Como é que você sabe?

- Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola como me mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da vitória. Fui considerado o herói do jogo. No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar. Como era um herói, me tirei… Levei um chute na cabeça. Não pude ser mais nada. Nem propagandista. Ganho uma miséria do INSS e só faço isto: bebo e me queixo da vida. Se não tivesse ido nos pés do atacante…

Ele chutaria para fora. Quem falou foi o outro sósia nosso, ao lado dele, que em seguida se apresentou.

- Eu sou você se não tivesse ido naquela bola. Não faria diferença. Não seria gol. Minha carreira continuou. Fiquei cada vez mais famoso, e agora com fama de sortudo também. Fui vendido para o futebol europeu, por uma fábula. O primeiro goleiro brasileiro a ir jogar na Europa. Embarquei com festa no Rio…

- E o que aconteceu? perguntamos os três em uníssono.

- Lembra aquele avião da VARIG que caiu na chegada em Paris?

- Você…

- Morri com 28 anos.

- Bem que tínhamos notado sua palidez.

- Pensando bem, foi melhor não fazer aquele teste no Botafogo…

- E ter levado o chute na cabeça…

- Foi melhor, continuou, ter ido fazer o concurso para o serviço público naquele dia. Ah, se eu tivesse passado…

- Você deve estar brincando.

Disse alguém sentado a minha esquerda. Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado.

- Quem é você?

- Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público.

Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida do que a outra. As conseqüências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustração. Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente. Comentei com o barman que, no fim, quem estava com o melhor aspecto, ali, era eu mesmo. O barman fez que sim com a cabeça, tristemente. Só então notei que ele também tinha a minha cara, só com mais rugas.

- Quem é você? Perguntei.

- Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice.

- E..?

Ele não respondeu. Só fez um sinal, com o dedão virado para baixo…

Creio que a vida não é feita das decisões que você não toma, ou as atitudes que você não teve, mas sim, aquilo que foi feito!

Se bom ou não, penso, é melhor viver do futuro que do passado!"

Postado por: Marcela
 

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