terça-feira, 3 de agosto de 2010

Tudo se Ilumina

Postado por Infinito Particular às 05:48 0 comentários
Não existe uma maneira de contar uma história triste que não seja uma maneira triste. Eu já sabia disso.

Mas existem muitos jeitos de contar uma história triste, e embora seja impossível fazê-la feliz, é perfeitamente possível fazê-la boa. Mesmo com toda dor, ela pode iluminar.

O que mais me intrigava em "Tudo se Ilumina" é que eu nunca encontrava uma opinião sobre o livro que não incluísse trechos. As pessoas falavam, tentavam descrever a história e os efeitos nelas causados pela história, mas sempre acabavam reproduzindo algum pedaço do livro.

Hoje eu entendo perfeitamente a incapacidade de falar dessa obra sem deixá-la falar por si mesma também. Descrevendo de maneira muito superficial: O autor, Jonathan Safran Foer, viajou para a Ucrânia com a intenção de encontrar a mulher que salvou seu avô (um judeu) dos nazistas. Ele só sabia da existência dela por uma fotografia. Jonathan não a encontrou, então resolveu inventar uma história. Assim, é um livro de ficção, mas tão cheio de realidade e verdade que chega a ser incômodo.

Esse foi o primeiro trecho pelo qual eu me apaixonei, na primeira vez que ouvi falar do livro:

“Era esse o mundo em que ela crescia e ele envelhecia. Os dois criaram para si mesmos um santuário longe de Trachimbrod, um habitat completamente diferente do resto do mundo. Nenhuma palavra de ódio era jamais pronunciada, e nenhuma mão erguida. Além disso, nenhuma palavra raivosa era jamais pronunciada, e nada era negado. Mas além disso, nenhuma palavra sem amor era jamais pronunciada, e tudo era revelado como uma pequena prova de que pode ser desse jeito, não tem que ser daquele jeito; se não há amor no mundo, faremos um novo mundo, dando-lhe paredes fortes e macios interiores vermelhos, de dentro para fora, e uma aldrava que ressoe como um diamante caindo no feltro de um joalheiro, para que jamais a ouçamos. Dê-me amor, pois o amor não existe, e eu já experimentei tudo que existe”.

Esse trecho fala de como viviam Yankel, um senhor de idade e Broad, uma menina que ela adota recém nascida. A parte da história que narra a chegada de Broad à casa de Yankel é assim:

"O agiota desonrado Yankel D levou a menininha para casa naquela noite. Agora, disse ele, vamos subir o primeiro degrau. Aqui estamos. Esta é sua porta. E esta é a sua maçaneta, que eu estou abrindo. E aqui é o lgar onde pomos os sapatos quando entramos. E aqui é o lugar onde penduramos os casacos. Ele falava como se ela conseguisse entendê-lo, nunca em tom agudo ou em monossílabos e nunca com palavras sem sentido. Isto que eu estou lhe dando é leite(...). Esta é a minha mão alisando seu rosto. Algumas pessoas são canhotas e outras são destras. Ainda não sabemos o que você é, porque você só fica sentada aí e deixa que eu faça tudo... Isto é um beijo. É o que acontece quando os lábios são comprimidos e encostados em alguma coisa, às vezes outros lábios, às vezes uma bochecha, às vezes outra coisa. Depende... Isto é o meu coração. Você está tocando nele coma a mãoesquerda, não porque seja canhota, embora talvez seja, mas porque eu estou segurando a sua mão junto ao meu coração. O que você está sentindo é o batimento do meu coração. É isso que me mantém vivo."

A história é intercalada com narraçãoes muito engraçadas de Alex, o tradutor e "guia" de Safran. Alex fala de um jeito distorcido, exatamente como se fosse um inglês traduzido com imperfeição. Aqui um diálogo entre ele, dentro do carro:

"- Bom, podemos abaixar as janelas? Esta muito quente aqui dentro, e parece que alguma coisa morreu.
- Sammy Davis, Junior, Junior vai pular para fora.
- Quem?
- A cadela. O nome dela é Sammy Davis, Junior, Junior.
- Isto é uma piada?
- Não, ela verdadeiramente partirá do carro.
- Estou falando do nome dele.
- O nome dela - retifiquei-o, pois sou de primeira categoria em pronomes. (...)
- Por favor, podemos abaixar a janela? - disse o herói. - Não aguento mais esse cheiro.
Ao ouvir isso, me rendi à humildade e disse: - É só Sammy Davis, Junior, Junior. Ela produz peidos terríveis aqui dentro, porque o carro não tem amortecedores nem longarinas mas vai pular para fora se abaixarmos a janela. E precisamos dela, que é cadela-guia do nosso motorista cego, que também é o meu avô. O que você não compreende?"

Mais um trecho, dessa vez de uma parte já avançada da história, onde o avô de Safran é o personagem central:

"Eles trocavam bilhetes, como crianças. Meu avô fazia os seus com recortes de jornais e joagava-os nas cestas de vime dela, nas quais sabia que só ela ousaria meter a mão. Encontre comigo debaixo da ponte de madeira, e eu lhe mostrarei coisas que você jamais viu. O "E" vinha das tropas que tirariam a vida da mãe dele: EXÉRCITO ALEMÃO AVANÇA PARA A FRONTEIRA SOVIÉTICA; os dois "N", da frota de guerra que se aproximava: NAVIOS NAZISTAS DERROTAM FRANCESES EM LESACS (...) ... e assim por diante, cada bilhete uma colagem do amor que jamais poderia ser, e da guerra que podia."

Existem muitos outros techos surpreendentes e lindos, mas vou para por aqui. E assim, Tudo se Ilumina vai falando por si mesmo, contando uma história triste e encantadora, e tão profunda quanto deve ser uma narrativa sobre o holocusto e uma reflexão sobre o amor.

Postado por: Marcela


 

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