segunda-feira, 16 de abril de 2012

Minha última conversa com o pequeno príncipe

Postado por Infinito Particular às 09:52 0 comentários
Tu não sabes, principezinho, que esse planeta é um buraco sem fim de injustiças? Meu doce, meu pequeno príncipe, tu viajaste tanto por essa e por outras galáxias, mas não aprendeste nada sobre o único planeta em que resolveres ficar. Os homens são como os anéis de plutão, ou a cratera da lua. São inertes, não têm brilho, só poeira. Só são bonitos quando vistos de longe, do espaço, a anos e anos luz de distância. Não se pode amar os homens, meu bem, não se pode deixar-se cativar por eles. Tu mesmo sabes: até amar uma flor pode ser ingrato. Imagina, pois, amar um ser tão mais complexo, tão mais vil, apesar de não ter espinhos aparentes. Por que vieste para cá, meu bem? Não era feliz em teu planeta? Não sabia revolver os teus vulcões, sem precisar da ajuda de ninguém? Não podias ver quantos pores-do-sol desejares, bastando para isso afastar um pouco a cadeira? Não devias ter vindo. Aqui, os vulcões não são revolvidos, e destroem vilas e paisagens inteiras. Aqui, tudo é distante de tudo, e o sol só se põe uma vez.
Mas oh, não me olhes assim, que só digo a verdade. Não, meu bem, não te mostres assim tão decepcionado comigo. Também sou um homem, não sou? Talvez não devesses ter me pegado pela mão, me levado para beber água na fonte do deserto. Estás irritado comigo? Pareces bravo. Talvez não bravo, mas triste comigo estás com certeza. Só porque falo dos homens? Só porque tento abrir teus olhos para as coisas desse planeta? Eu só quero ajudar! Não quero que fiques iludido, achando que os homens merecem teu esforço para seres essa criaturinha tão nobre que tens sido.
Mas, Deus, o que estou dizendo? Estou falando como as pessoas grandes. Estou igual a elas, não é? Perdoa, meu bem, perdoa esse homem que chora tanto. Não queria ser como as pessoas grandes, sem fé na vida, tão sabidas desse discurso de que é bobagem ser bom. Oh, me sinto tão envergonhado! Mas é a dor da partida, meu bem. Não sei lidar com a perda, não sou mais criança para saber as coisas da vida. No lado mais sensível e reclamão do meu peito, estou achando muito injusto partires depois de tudo, partires para encontrar uma flor que fingiu para ti ser única no mundo, embora haja centenas iguais e a ela num único jardim. Acho injusto que tenhas que sentir o veneno, que tenhas que parecer estar morto, apenas para levar esse carneirinho para o teu planeta. Podíamos criá-lo aqui mesmo, tu o levarias para passear todos os dias, e eu desenharia pela manhã um pequeno arbusto para dar-lhe de comer...
Perdoes, meu bem, não queria ser rude. Mas estou tão triste! Hoje, eu poderia assistir a quarenta pores-do-sol. E nem isso consigo! Sabes que na Terra só há um pôr-do-sol por dia, e sem ti aqui eu sou um homem que ansia por pelo menos vinte poentes. Mas não estou te culpando, pequeno. Sei que a culpa foi minha. Agi como a raposa, quis que tu me cativasse, e agora reclamo que vais partir. Nós, homens, nós, seres da Terra, temos tanto a aprender! Sei que saímos ganhando. A raposa, por causa do trigo. Eu, por causa da fonte.
Façamos, então, um pacto: vamos guardar a fonte, como um símbolo. Beber água vai ser para nós um ritual. Sempre que puxares a roldana, vais lembrar que a água é boa para o coração. Vais lembrar que o que faz o deserto fascinante é o fato de que, em algum lugar, há uma fonte escondida. Então, eu vou olhar para a estrela, e sem saber em qual delas tu estás, acharei todas fascinantes. E tu olharás para o cosmo, para a mancha maternal da Via Láctea, e sem saber em que ponto estou, acharás todo o universo fascinante. Então, o simples fato de que eu existo, fará qualquer água boa para o coração, e qualquer roldana vai cantar em tuas mãos. E o simples fato de teres passado pela minha vida fará qualquer deserto o seio de uma fonte, e de qualquer fonte um coração.
Te deixo partir. Hoje te vejo, e isso me dá muita alegria. Não sei descrever o quanto me faz bem poder ver teus cachos dourados, teu olhar tão agudo sobre as coisas. Tentei desenhar-te, para guardar essa imagem, mas não consegui chegar nem próximo da realidade. Não me julgues incompetente, meu bem, desenhei-te um carneiro, não foi? Mas confesso que, desde as jiboias fechadas e abertas, estas têm sido minhas primeiras tentativas de desenhar. Tem paciência, viu? Um dia vou aprender, vais ver. Um dia vou desenhar tão bem que, quando eu retratar um elefante no interior de uma cobra, ninguém se atreverá a dizer que é um chapéu. Ninguém nem ao menos verá um chapéu. E todos vão me achar um homem muito razoável. Mas que bobagem estou dizendo, isso nem me importa mais! Não me importa o que pensam as pessoas grandes. Já não tenho tempo para lidar com essas minúcias, com a matemática, a moral e os bons costumes... minha vida está agora cheia de pores-do-sol, baobás e carneiros. Há tanto a fazer! O mundo está repleto de coisas importantes, como as raposas e as roldanas, e quero preencher  minha existência disso tudo para que tua ausência pare de doer tanto. Calma, meu bem, não vou chorar de novo. Prometo, tá? Só estou dizendo isso para saberes que hei de aprender a desenhar. Quem sabe poderás ver! Tu podias vir me visitar, marquemos uma data, que vai ser minha motivação para aprender. Oh, meu pequeno príncipe, não me olhes assim! Não vou mais insistir nisso. Esquece a visita. Eu já entendi! Juro que entendi. Não preciso dos desenhos, não é? Só preciso beber a água e saber que ela é boa para o coração. Só saber. Não é preciso que estejas aqui. Para quê, se já te tenho inteiro dentro da minha alma? Não temos porque alimentar a visão. Isso é passageiro. Não vou te ver, mas não tem problema. Porque só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. 


Postado por: Marcela

 

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