quarta-feira, 20 de julho de 2011

Sobre amizade

Postado por Infinito Particular às 07:47 0 comentários
A amizade é um amor que nunca morre. Mais que isso, Quintana, a amizade tem muito pouco de morte. Só a fragilidade humana de sempre, que nos faz fechar os olhos sempre um pouco desconfiados de não abrí-los. Não mais do que isso, não mais que o factual e a certeza de que a noite um dia vem. Fora o certo, a amizade não morre não. Ela é essencialmente viva; e respira, olhe só. É possível sentir a amizade respirar. E ela vai se renovando, sem grandes escândalos, sem mais dramas ou espetáculos, ela está aqui: oxigênio. A amizade tem isso de vida, e tem também o riso, que é uma coisa bem vital se você pensar bem. Não como a respiração, mas é preciso que haja um sorriso às vezes, e é desejável que sejam muitas e muitas vezes, porque viver não é, afinal, existir. Viver é rir. A amizade é bem isso, riso, riso solto e fácil, aberto de graça e sem vergonha nos lábios. Amizade é rir por dentro, é lembrar sempre e sempre rir de lembrar da mesma coisa, como se você já não tivesse prestado atenção em toda a graça daquilo. Suspeito que as pessoas mais iluminadas viveram assim, de ar e de riso – só. Mas nós, comuns e cotidianos, precisamos viver de dor também. É preciso um bocado de tristeza, Vinícius, senão não se faz um samba não. Senão é como amar uma mulher só linda, e daí? Uma mulher tem que ter qualquer coisa além de beleza, qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora. A amizade chora, ela não é só beleza não. A amizade é triste também, pois o amor não dói? A gente é como o poeta que faz samba, a gente vive de tristeza também, e a amizade é vida até na tristeza. Na não tristeza e na dor, ela é vida do mesmo jeito, viver de intensidade e de alívio. E por último, mas não menos fundamental, vem a memória. A vida é, pense bem, respirar, sorrir, chorar e lembrar de tudo isso – com o importante recurso de esquecer. E a amizade é memória, quase irmã, uma é fonte da outra, uma bebe na outra e se alimentam mutuamente como uma associação entre dois seres que permite, então, a vida. A memória só existe porque tem alguém para lembrar a gente, de que não é a primeira vez, de que não somos os únicos, de que pode ser bom, de que não estamos sozinhos. E a amizade só ilumina porque ela puxa da memória, ela é grata e se lembra, ela perdoa porque lembra, e ela se renasce porque lembra sempre, não esquece, de que ela é vida, e de que a vida é amor. A amizade é um amor que nunca morre.
Postado por: Marcela

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Reforma política: sempre é hora de falar do fundamental

Postado por Infinito Particular às 18:50 0 comentários
A reforma política não é uma coisa boa. Coisa boa é feriado prolongado, com sol forte e almoço de mãe. A reforma política é fundamental. E, por ser fundamental, é inexplicável como temos conseguido levar um país desse tamanho sem ela.


A reforma política é bem mais que uma eleição. Me entendam: não estou menosprezando as eleições. As eleições são o que a gente tem de mais útil e potencialmente inovador hoje em dia, e me orgulho muito de a cada ano ressaltarmos com mais propriedade sua importância.


Quando digo que a reforma política vai além das eleições, quero dizer que as mudanças que ela trará darão os subsídios necessários para que a escolha dos nossos representantes seja realmente uma promessa de mudança. Estamos falando mais ou menos em mexer num esquema que já está corrompido, ou no mínimo fatigado, e pôr em prática uma dinâmica que seja compatível com as alternativas e anseios do país.


Sempre gostei de propagadas de novelas que falavam dos personagens e acontecimentos puxando um assunto do outro, e aí você conseguia entender todo o contexto e suas ligações. A necessidade da reforma política pode ser explicada mais ou menos por essa lógica: uma reforma política iria melhorar a lógica de organização política no país, deixando as leis eleitorais mais claras, assim como as atribuições de cada esfera de poder. Isso dificultaria não só a eleição do tipo de político corrupto/bandido/aproveitador que conhecemos, como também as fanfarras dos que se elegessem. Significa então que menos verbas seriam desviadas, mais dinheiro seria realmente destinado a áreas como educação, saúde e infraestrutura, o que diminuiria os gastos dos brasileiros com serviços básicos, aumentado seu poder de compra e permitindo a emancipação de famílias que dependem do assistencialismo do governo. Significa também que as leis e projetos teriam que ser mais coerentes e inteligentes, e receberiam mais atenção. Uma vez funcionando, a lei daria conta de um sem número de problemas que existem hoje por causa da burocracia. O que permitiria ao cidadão resolver pendências pelos trâmites legais, diminuindo a prática do QI (famoso Quem Indica) e a troca de favores deliberada. Isso complicaria a rede de contatos baseada nesse tipo de prática que muitos políticos hoje em dia usam para se elegerem. O que dificultaria a eleição do tipo de político corrupto/bandido/aproveitador que conhecemos... num ciclo que combinaria melhoria política real com melhoria da consciência política do país.


Eu sei que parece lindo... e realmente é! :) Haha! Não estou dizendo que fluiria com essa facilidade, nem que solucionaria todos os nossos problemas, mas está óbvio que as coisas só mudam realmente quando mexemos na base. Não podemos simplesmente ignorar a política em função do cenário político atual... são coisas diferentes (graças à Deus)! Temos que nos empenhar em melhorar, e não apenas aceitar de forma “passivamente revoltada” os absurdos que acontecem na administração do NOSSO país.


Existem duas alterativas para a reforma política acontecer: partir uma ação popular realmente engajada com a causa ou partir das próprias esferas de poder. Mas para isso é preciso que os eleitos queiram melhorar o sistema, e não melhorar a própria situação se utilizando do sistema. Voltamos então, para o voto, a nossa possibilidade mais universal de dizer sim.

Postado por: Marcela

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Nem...

Postado por Infinito Particular às 18:12 0 comentários
Hoje eu resolvi postar um texto que vi no blog da minha amiga Liliane, e "apaixonei com ele". É uma crônica de Felipe Peixoto Braga Netto, publicada no livro "As coisassimpáticas da vida", que fala de um jeito tão original do sotaque das mineiras que eu simplemente "não dei conta" de não divulgar também.


O SOTAQUE DAS MINEIRAS

O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. Afinal, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar sensual e lindo das moças de Minas ficou defora? Porque, Deus, que sotaque! Mineira devia nascer com tarja preta avisando: 'ouvi-la faz mal à saúde'. Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz deperguntar: 'só isso?' Assino, achando que ela me faz um favor.
Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma. Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque. Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas... Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho. Não dizem: pode parar, dizem: 'pó parar' . Não dizem: onde eu estou?, dizem: 'onde queutô'. Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando- apenas de uais, trens e sôs. Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é bom de serviço. Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô. Se der no couro -metaforicamente falando, claro - ele é bom de serviço. Faz sentido.... Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: 'cê tá boa?' Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada.Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: - Mexe com isso não sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc.) O verbo 'mexer', para os mineiros,tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício. Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta. Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo,você liga e diz: '- Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.'Esse 'aqui' é outra delícia que só tem aqui. É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: éuma forma de dizer 'olá, me escutem, por favor'. É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.Mineiras não dizem 'apaixonado por'. Dizem, sabe-se lá por que,'apaixonado com'. Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a todahora: 'Ah, eu apaixonei com ele?... Ou: 'sou doida com ele' (ele, nocaso, pode ser você, um carro, um cachorro)...Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal. Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas. Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar,vai dizer: - 'Eu preciso de ir.' Onde os mineiros arrumaram esse 'de', aí no meio, é uma boa pergunta.. Só não me perguntem! Mas que ele existe, existe. Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório.No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um tanto de coisa. O supermercado não estará lotado, ele terá um tanto de gente. Se a fila do caixa não anda, é porque está agarrando lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar compena, suspirará: '- Ai, gente, que dó.' É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras...Não vem caçar confusão pro meu lado! Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro 'caça confusão'. Se você quiser dizer que talsujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele'vive caçando confusão'.Ah, e tem o 'Capaz'... Se você propõe algo a uma mineira, ela diz:'capaz' !!! Vocês já ouviram esse 'capaz'? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer 'ce acha que eu faço isso'!?com algumas toneladas de ironia.. Se você ameaçar casar com a GiseleBundchen, ela dirá: 'ô dó dôcê'. Entendeu? Não? Deixa para lá. É parecido com o 'nem... Já ouviu o 'nem?...?Completo ele fica: '- Ah, nem?.... O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum. Você diz: 'Meu amor, cê anima d ecomer um tropeiro no Mineirão?'.Resposta: 'nem?... Ainda não entendeu? Uai, nem é nem. Leitor, você é meio burrinho ou é impressão? Preciso confessar algo: minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras. Aliás,deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão.Se você, em conversa, falar: 'Ah, fui lá comprar umas coisas?... -Que' s coisa? - ela retrucará. O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o 'que'!Ouvi de uma menina culta um 'pelas metade', no lugar de 'pela metade'. E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará : -Ele pôs a culpa 'ni mim'. A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas... Ontem , uma senhora docemente me consolou: 'preocupa não, bobo!'... E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um: 'não se preocupe', ou algo assim. Fórmula mineira é sintética e diz tudo.Até o tchau, em Minas, é personalizado. Ninguém diz tchau, pura e simplesmente. Aqui se diz: 'tchau pro cê', 'tchau pro cês'. É útil deixar claro o destinatário do tchau.



Postado por: Marcela

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Vão acabar com o Power Point

Postado por Infinito Particular às 08:14 0 comentários
“Começou na Suíça um movimento a fim de acabar com as apresentações em softwares como o PowerPoint, da Microsoft. De acordo com o partido criado, este tipo de apresentação está tendo um impacto bastante negativo na economia do país e do mundo. O movimento pede a volta da utilização de cartazes de papel”.

http://dpavani.geek.com.br/posts/16614-movimento-na-suica-cria-o-partido-anti-powerpoint-e-pede-o-fim-do-uso-do-software-no-mundo
 

Vão acabar com o power point. Primeiro, manifestações de pequenos grupos vão levantar o assunto, e, de repente, o caos do uso do software em apresentações já será uma polêmica. Alguns grupos entrarão em defesa do produto, e vão mandar e-mails e mais e-mails aconselhando o encaminhamento para todas as pessoas da sua lista (em power point, claro). O grupo “contra os PP’s” vai reagir enviando sua mensagem no corpo do texto, utilizando maiúsculas e letras coloridas para compensar a falta de recurso. Está decretada a guerra virtual.

Os acusadores e defensores começaram uma corrida dramática em busca de apoio, na tentativa de puxar os “indecisos ou não sabem opinar” por algum gancho – seja ele qual for. Os ambientalistas dirão que a extinção do power point aumentaria em escalas inimagináveis o uso do papel, e que isso provocaria o corte de um volume alarmante de árvores. Eles mostrarão estatísticas bem elaboradas nos slides do réu em questão, que finalizaria com a seguinte pergunta: “é mais brega usar power point ou destruir o mundo?” Os intelectuais, por sua vez, escreverão crônicas sedutoras e textos críticos sobre o esvaziamento do discurso, e publicarão teses sobre como as apresentações de power point afetam negativamente a sociedade no sentido sócio-político-cultural.

Os editoriais dos jornais vão publicar os dois lados da polêmica, e mais uma seção de cartas do leitor só para o debate do assunto. Haverá opiniões apaixonadas dos dois lados, com cada vez mais argumentos éticos e futuristas. Os professores de Universidade não vão se posicionar claramente, mas vão abolir gradativamente o uso dos slides em suas aulas, sem apelar, porém, para os cartazes escritos com canetinha.

Um grupo de moderados vai ganhar força, e vai sugerir o bom senso no uso do recurso. Vai ser de bom senso da parte deles.

Brindes, canecas, camisas e botons com a logomarca de cada lado vão movimentar o mercado formal e informal. A Lady Gaga vai abrir sua turnê mundial usando uma micro saia onde se lê “I love Powe Point”. Indagada sobre os motivos da preferência, ela vai dizer aos repórteres que não se envolve em discussões sociais porcas, e só usou o look para causar polêmica. A princesa Kate vai ser flagrada numa reunião íntima de sua família usando um bótão com o balão de fala, símbolo do grupo contra os PP’s. Mais tarde, em comunicado oficial, a família real vai dizer que a duquesa de Midletton “não apoia nem é contra nenhum grupo ou tipo de expressão”, e que o bótão “não está ligado à polêmica, e foi adquirido antes da adoção do ícone como logomarca de um dos grupos”.

A microsoft, fingindo que nada está acontecendo, vai reestruturar o Pacote Office sem maiores comentários, e apenas as publicações especializadas vão perceber a estratégia.

Nas eleição, temas como reforma política, educação, reforma agrária e corrupção serão deixados de lados para um intenso debate sobre o uso ou não uso dos power points em apresentações. Nenhum dos candidatos principais vai se posicionar claramente, mas todos irão respirar aliviados por não ter que tocar em outros assuntos.

Com a chegada da Copa do Mundo, porém, o assunto vai ser esquecido gradativamente, e em pouco tempo estará apenas nas retrospectivas de fim de ano. Depois um período de paz, o TT #powerpoint vai virar sinônimo de “preguiça”, “aff” e “¬¬”, e a dinâmica das redes sociais vai se responsabilizar por dar um fim indolor e sem bagunça para o uso do software, que passa a integrar a lista de coisas barangas que todo mundo já fez.

Passados, agora sim, alguns bons anos, o power point vai ressurgir no melhor estilo retrô, emprestando um certo charme a festas temáticas e eventos corporativos inusitados. Um barzinho com o nome de Power Point vai ser inaugurado em Santa Tereza, e vai exibir seu cardápio em grandes telas, que passarão constantemente apresentações com direito a transição de slides e efeito de revelação nas frases e imagens.

Mas quando essa época chegar, as palestras já estarão de um jeito que eu nem me atrevo a imaginar.

Postado por: Marcela

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Vale a pena ver de novo?

Postado por Infinito Particular às 08:30 0 comentários
Você já teve a sensação que já tinha assistido um filme anunciado como “inédito”? Você tem a leve impressão de que o mais novo sucesso desse ano é muito parecido com o do ano passado (que agora já está totalmente esquecido)? Essa sensação de “A melhor banda de todos os tempos da última semana”, como já diziam os Titãs, está relacionada a uma situação que tem marcado nossa época: “A Indústria Cultural”.

Esse tema é muuuito complexo, e gerou uma imensa discussão na minha turma de Jornalismo, onde ouvi falar pela primeira vez no assunto. Claro que não vou conseguir trazer para cá toda a profundidade dessa questão, mas acho importante pelo menos levantar o assunto. Então vamos lá! (O que eu usar entre aspas é retirado do texto de Edgar Morrin, um pensador francês que analisou com perfeição vários aspectos da sociedade contemporânea).

A música, o cinema, a literatura, a dança, as esculturas, pinturas e tantas outras coisas são, como todos sabemos, arte; pelo menos se entendermos a arte como essa coisa inexplicável que nos coloca em contato com nossa parte mais humana. Funcionamos enquanto sociedade por meio de aspectos práticos, mas somos sociedade pela manifestação da arte: são nossas danças, nossas músicas e nossos livros que nos fazem ser o que somos.

Bem, depois que a lógica da industrialização já havia tomado conta dos aspectos práticos da vida, nos deparamos com uma “segunda industrialização, que passa a ser a industrialização do espírito”. Surge então uma “Terceira Cultura, que projeta-se ao lado das culturas clássicas e nacionais”. Essa cultura é produzida “segundo as normas maciças de fabricação industrial”. É uma arte que nasce pelo lucro e para o lucro. Não é óbvio que isso constitui um problema? A arte-mercadoria não passa de um entretenimento, e o entretenimento puro e simples não nos coloca em contato com nossa parte mais humana.

Só que na prática o público não sabe disso. Por exemplo, quando surge um novo cantor que dispara nas paradas de sucesso em 5 segundos, ele não conta que para fazer uma música ele pegou um padrão já conhecido de sucesso e fez pequenas alterações, e acrescentou ainda um refrão que “grudasse” na mente do seu público. Na verdade, a ideia é justamente camuflar essa situação. “A indústria de detergente produz sempre o mesmo pó, limitando-se a variar as embalagens de tempos em tempos. Um filme pode ser concebido em função de algumas receitas-padrão (intriga amorosa, final feliz), mas deve ter sua personalidade, sua originalidade. A Indústria Cultural deve, pois, superar constantemente uma contradição fundamental entre suas estruturas burocratizadas e a originalidade”.

Tudo tem muito a ver com o conceito de sucesso: É muito difícil agradar a um público muito grande, porque os gostos e preferências não são homogêneos. Mas como o sucesso hoje em dia tem a ver com quantidade, a Indústria Cultural escolhe temas e formatos que já foram seguramente testados. Por isso é que existe tanta música que fala de amor do mesmo jeito.

E como essa arte industrializada tem recursos e estratégias para ocupar muito espaço, a arte que nasce de forma espontânea e original acaba sendo sufocada. Por exemplo, um cantor sem uma gravadora dificilmente vai conseguir ser reconhecido. Há exceções, é claro. O funk, tão criticado por tanta gente, surgiu de forma espontânea, foi uma criação de um grupo de pessoas. Claro que algumas letras são realmente pesadas, e não é o tipo de música que agrada todo mundo (e a ideia não é mesmo essa). Mas o funk inegavelmente se inspira numa realidade: se as letras incomodam tanto, a realidade de seus criadores deveria receber mais atenção.

Dei o exemplo do funk para mostrar que a diferença entre arte e produto cultural não está na elitização de alguma coisa. Não é porque a MPB está frequentemente associada à classe mais alta que ela é arte. Ela é arte porque é original, porque vai além de um simples entretenimento (na maioria dos casos). Alguns dos maiores e mais conceituados best-sellers são produtos da Indústria Cultural. Isso não significa que você não pode gostar deles, mas significa que não devemos acreditar que o autor levou em consideração apenas sua sensibilidade ao escrever aquilo.

Aos poucos vamos percebendo que muito do que chega para a gente como arte está ligado até o pescoço com a Indústria Cultural. E, embora isso possa parecer desanimador, significa que na verdade existe um número enorme de manifestações artísticas pelo mundo, só esperando que abramos os olhos, os ouvidos e a alma para elas. “Em determinado momento precisa-se de mais, precisa-se de invenção. É aqui que a produção não chega a abafar a criação”.

Ainda há muita coisa a ser discutida em relação a Industria Cultural, mas o mais importante é perceber que merecemos e ansiamos por todas as maravilhas do que é, verdadeiramente, arte.

Postado por: Marcela
 

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