quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Nostalgia bateu ao meio dia.

Postado por Infinito Particular às 09:49
Não se explica, nem se discute. Se é possível ou não, não sei, mas hoje senti o cheiro da minha infância. Um dos sentidos que eu tenho mais aguçado é o olfato, então não há dúvida. Não sei decompô-lo por aromas. Sei que tocava Amor de Índio no meu (fone de) ouvido, enquanto eu encarava as paisagens que corriam diante da janela do ônibus. E, então, a fragrância me encontrou. Ah, que cheiro doce (sem ser enjoativo) do destino que se cumpriu. Quase que instantaneamente meus olhos se fecharam, banhados de água e de lembranças, enquanto meu coração parecia arredar tudo dentro de mim pra encontrar mais espaço dentro do peito, pra bater mais forte. 

Ah, que cheiro! Da saudade de uma época em que eu não distinguia sonhos de realidade: eu, simplesmente, acreditava. E tudo era. Eu era tudo. Era mãe de filhas que tinham quase meu tamanho, e que eram milhões de personagens ao mesmo tempo. Filhas que eu levava pra passear no balanço que até hoje balança na minha casa - pena que eu não caibo mais lá. Que comiam uma comida deliciosa, que eu passava horas cozinhando em panelas que hoje cabem na palma da minha mão. Hm. Era aventureira do pomar da minha casa, e o abacateiro que floresce até hoje (quando quer) era a majestosa arvora de uma selva que eu desvendava sem medo, com meu pai e um cajado esculpido de uma cabo velho de vassoura. Era tão grande, tão perigoso - tão gostoso. Mas meu lado capitalista falava mais alto, e eu gostava das minhas notas de brinquedo, meu dinheiro, ah. Vendia o que tinha na "vendinha", nome que batizou a despensa da minha casa e que a gente usa até hoje. A exemplo da minha mãe, eu era professora. Casa de professora, a estante é de livro (?). Eu abraçava todos, arrumava minha classe, e ensinava o pouco que eu sabia, querendo mostrar pra elas que aquilo já era muito pra mim. Às vezes, eu só ensinava meu nome pra elas, porque meu pai me ensinou a escrevê-lo antes de entrar na escola, todos os dias, um pouquinho mais, um pouquinho melhor. Eu era coreógrafa de grandes musicais. Era atriz, e tinha certeza que seria uma cantora de grande sucesso. Era autora de história de histórias em quadrinhos, da Bia12, e editora da revista Vitrine da Moda. Escrevi meu primeiro livro, Infinito, de poemas e contos que eu escrevia na escola. Guardo tudo isso até hoje. Tinha um programa matinal de receitas, porque eu já acordava cedo pra brincar - não podia perder tempo. E, assim, sem perder tempo, fiz a maior conquista da minha vida: andar de bicicleta sem rodinha. Era espiã. Era design de moda. Era pintora. Era fonoaudióloga (depois que conheci a minha, queria ser igual a ela). E era muito, muito mais.

Hoje, os brinquedos estão lá no quartinho de brinquedos ou ganharam outras casas. A música já acabou. Despertei desse sonho acordada quase perdendo o ponto pra descer do ônibus. Uma última vez, olhei pra mulher que estava usando aquela fragrância doce, deliciosa, que significa um mundo pra mim. Em silêncio, a agradeci - pela escolha do perfume e pela felicidade de hoje. Não sei qual é o nome desse aroma. Só sei que o chamo infância. Um dia talvez descubra, talvez não. Não me importa. Continuarei encantada com essa época em que eu precisava de tão pouco pra ser tudo. E rezo, todos os dias, pra que ela não se perca na minha memória.  

Hoje, o que eu preciso pra ser quase tudo, é papel e caneta. E, graças a Deus, eu tinha os dois nas mãos, no ônibus hoje ao meio dia. Quando me bateu a nostalgia.


"Todo dia é de viver, para ser o que for, e ser tudo."

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