--Tem um ponto, acho que é aqui no pescoço - faz tanto tempo - em que todas cheiram igual.
--Bobagem. Cada uma tem um cheiro diferente.
--Não, não. Tenho certeza quase absoluta. É aqui, nesta dobra. Um cheiro, assim, doce. Todas.
--E você cheirou todas?
--Todas as que eu conheci tinham o mesmo cheiro aqui. Eu enchia as narinas, meu Deus. Eu...
--Não vá começar a chorar outra vez. Você prometeu.
--Sabe o que é que eu me lembro? O antebraço.
--Onde é que ficava isso?
--Aqui em cima. O antebraço é a coxa do braço. O braço era aqui embaixo.
--Não é o contrário?
--Não importa o nome. Aquela parte carnuda, em cima.
--Já localizei. O que que tem?
--É a parte da mulher que envelhece mais devagar.
--Você está delirando.
--É fato. Quando a mulher é nova, a carne ali é rija. Depois de uma certa idade ela perde a rigidez, mas não fica flácida logo. Fica, assim, cheia. Roliça.
--História.
--Até nas magras, aquela parte é carnuda. Nunca conheci uma magra que não tivesse, pelo menos ali, um montinho remissor. Alguma coisa onde se meter os dentes.
--Lembra as magras de peito grande?
--Lá vem você com peito.
--Sempre fui um homem de peitos.
--Está bem, está bem. Mas não generaliza. Pense naquela curva aqui, saindo da axila e inchando suavemente, suavemente... Dizem que não existem dois seios iguais no mundo.
--Como que não? Pelo menos dois tem que haver.
--Não há! Não é fantástico? O esquerdo é diferente do direito.
--Vem com essa. Só porque cada um olha para um lado.
--Não. São diferentes. Têm personalidades diferentes, tudo.
--E eu tenho que agüentar...
--Lembra nuca?
--Nuca...
--Quando elas puxavam o cabelo para cima, sempre sobravam uns fios na nuca.
--Puxa, eu tinha me esquecido da nuca.
--É onde a mulher tem o cabelo mais fino.
--Não vem com teoria.
--A curva do ombro. As costas quentes. Aquele ponto onde ainda não é a nádega mas já há uma elevação, um prenúncio...
--A junção da nádega com a parte de trás da coxa...
--Ah, aquela prega.
--Não tinha prega nenhuma.
--Como que não? Uma espécie de subnádega. Cansei de ver.
--Nas suas, talvez. Que eu me lembre, terminava a nádega e começava a coxa, direto.
--Por amor de Deus. E aqueles riscos que tinham embaixo da nádega, o que eram? Bigodes?
--Nunca vi risco nenhum.
--Porque você não prestou atenção. Só via peito.
--Está bem, concedo a prega.
--Agora, formidável era como a frente da coxa se projetava, lembra?
--Mmmm.
--A curva das coxas se salientava. Era uma curva longa, do quadril até o joelho. Um leve arco protuberante.
--Dos joelhos, sempre preferi a parte de trás.
--Os vãos. Exato.
--Nas coxas, às vezes, você não via, mas olhando de perto notava uma leve penugem.
--Tão leve que passando a mão, não se sentia.
--Muitas raspavam as pernas.
--Às vezes ficavam cortes. Pequenos cortes.
--Isso. Criavam casca.
--Só olhando bem de perto a gente via.
--A pele macia e aquele cortezinho. Pobrezinhas.
--A pele macia...
--A perna atrás. Do vão dos joelhos até o tornozelo.
--O tornozelo. Enrugadinho, mas lindo.
--O dedinho do pé, sempre meio encurvado para dentro.
--Todo aquele grande trecho do pescoço, da orelha até o ombro.
--Orelha!
--A boca.
--Não fala.
--O lábio inferior um pouquinho maior que o superior.
--Os dentinhos, às vezes saltados. Mmmm.
--A gente encostava a cabeça num seio e ouvia o coração.
--Era morno. Tudo era morno.
--Aquelas duas entrâncias na base das costas.
--O umbigo...
--Ah...
--Você prometeu que não ia chorar mais.
--Por que você foi falar no umbigo?
VERÍSSIMO, Luis Fernando. A velhinha de Taubaté. Porto Alegre: L&PM Editores, 1983.
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